Articles

08h59

É criminoso

Um vídeo que circula pela internet — adolescentes de uma escola cívico-militar do Paraná marchando ao som de uma música que celebra invasão de favela e corpos no chão — não deveria gerar polêmica. Deveria gerar alarme. Porque não há interpretação alternativa: colocar crianças para marchar ao ritmo da violência é um fracasso pedagógico monumental. E é exatamente o tipo de fracasso que o modelo cívico-militar tenta esconder atrás de fileiras impecáveis e retórica de ordem.

As desculpas oficiais são constrangedoras. Se foi uma aluna que pediu, se o monitor tentou interromper, se o vídeo é recente, se é de 2023… Nenhuma dessas hipóteses altera o essencial: adolescentes cantaram, sob supervisão adulta, uma narrativa de extermínio enquanto cumpriam um rito de disciplina escolar. É impossível minimizar o tamanho dessa aberração.

A reação das autoridades — centrada em procedimentos, sindicâncias e verificações — revela o que realmente sustenta esse modelo: uma fé burocrática na aparência de controle. O que não se vê é coragem para enfrentar a pergunta que deveria ser óbvia: por que jovens se reconhecem na linguagem da violência? O que a escola deixou de oferecer para que esse repertório se torne aceitável, até ritualizado?

É curioso que tantos defensores das escolas cívico-militares repitam, com convicção quase religiosa, que “uniforme resolve”. Fui aluno de escola militar durante toda minha educação básica. Sei perfeitamente quais são seus méritos — e eles existem. Mas sei, principalmente, o que essa crença esconde: disciplina sem projeto pedagógico é só coreografia. E coreografia nenhuma compete com a força cultural das ruas, das redes, das músicas que moldam imaginários antes que qualquer autoridade apareça para mandar “alinhar a coluna”.

O vídeo é didático: quando a escola se limita a impor ordem, ela perde a disputa pelo sentido. E perde feio. Abre mão da reflexão, do diálogo, da construção de consciência. Abandona o terreno onde a educação realmente acontece. Depois disso, indignar-se com adolescentes que repetem letras violentas é hipocrisia. Eles apenas ecoam o mundo que os cerca. Quem deveria mediar esse mundo — e não o faz — são os adultos.

E aqui está o ponto que muitos preferem ignorar: o modelo cívico-militar não falha apesar de sua lógica; falha por causa dela. Ele promete controle, mas produz uma pedagogia esquartejada: disciplina de um lado, educação do outro. Uma escola que ensina a obedecer, mas não a pensar, é presa fácil para qualquer narrativa pronta — inclusive as mais destrutivas.

O episódio não é um deslize. É um alerta. É a prova de que, quando a educação abdica de compreender a cultura dos jovens, essa mesma cultura ocupa o pátio, a marcha, a música — e transforma a escola numa caricatura de segurança que só funciona para quem nunca passou pela porta de uma. Responsabilizar adolescentes é covardia. O erro é adulto. O erro é estrutural. O erro é insistir na fantasia de que ordem é sinônimo de educação. Não é. E enquanto esse equívoco guiar políticas públicas, veremos mais vídeos como esse. Talvez menos chocantes, porque a sociedade vai se acostumando. E aí, sim, teremos perdido algo irreversível.

 

José Medrado possui múltiplas faculdades mediúnicas, é conferencista espírita, tendo visitado diversos países da Europa e das Américas, cumprindo agenda periódica para divulgação da Doutrina, trabalhos de pintura mediúnica e workshops, escreve para o BNEWS, Farol da Bahia e o jornal A tarde.

Nenhuma mensagem encontrada!
2016 - 2025. Cidade da Luz. All rights reserved.
Powered by: Click Interativo | Digital Agency

We use cookies to frame information about how you use or our site and the pages you visit. Everything to make your experience more pleasant possible. To understand the types of cookies we use, click on Options. Ao click on Accepted, you consent to the use of cookies.

Accepted Options

Definitions

We want to be transparent about the data that we partners collect and how we use it, so that you can control how well your personal data is. To obtain more information, consult our privacy policy and our cookie policy.

Or what are cookies?

Cookies are saved files on your computer, tablet or phone when you visit a site.

We use the necessary cookies to make or site work in the best possible way and always to improve our services.

Some cookies are classified as necessary and allow central functionality, such as security, network management and accessibility. These cookies can be collected and set so that you start your navigation or when you use any resource that I require.

Manage consent preferences
Analysis Cookies

We use third-party analytics software to collect statistical information about visitors to our website. These plugins may share the content you provide to third parties. We recommend that you read their privacy policies.

Block / Activate
Google Analytics
Necessary
Strictly necessary cookies

They are those that allow you to browse the site and use essential features, such as safe areas, for example. These cookies do not store any information about you that can be used in product or service communication actions or to remember the pages navigated on the website.

Block / Activate
Site
Necessary