Na última sexta-feira, o jornalista da Globo Rodrigo Bocardi, interagindo com o repórter Tiago Scheuer, que entrevistava um rapaz negro no metrô a caminho de um sofisticado clube de São Paulo, solicitou ao colega que perguntasse ao jovem se ele era gandula. O rapaz disse que era atleta de polo aquático, o que fez, ainda, o entrevistador constatar no fundo da camiseta o nome do esporte. Bocardi passa a elogiar o sorriso do garoto, percebendo claramente que se deu conta do, digamos, fora com a pergunta. As redes sociais fervilharam: uns o acusando de racismo, outros rebatendo, dizendo que tudo agora é mimimi. O jornalista se justificou, afirmando que a camisa parecia com a usada pelos apanhadores de bolas.
O professor Silvio Luiz de Almeida, em interessante livro O que é racismo estrutural?, faz uma abordagem de como o racismo age no dia a dia das pessoas até de forma inconsciente. Logo no capítulo inicial, o professor apresenta uma distinção, geralmente tida equivocadamente como sinônimos, entre preconceito, racismo e discriminação. Na visão-estudo do autor, preconceito deve ser entendido com a construção e definição de conceito sobre determinada pessoa ou grupo, estabelecida por fatores históricos e sociais. Racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender do grupo racial ao qual pertençam, e discriminação é dar tratamento diferenciado em razão da raça.
Voltando ao apresentador, em sua defesa ele noticia a sua origem humilde (outra confusão que as pessoas fazem é pobre com humilde, situações diferentes), e que por isto jamais poderia ser racista. Não necessariamente. Honestamente, não acho que a intenção do jornalista tenha sido de cunho racista, mas, verdadeiramente, foi discriminador inconsciente estruturado na premissa falsa de que um negro só pode ter, em um clube de elite, uma função de empregado. Se a questão não fosse tão intrínseca, e aqui digo à grande parte de nós, ele perguntaria o que o jovem faz no clube. A verdade é que muitos ainda se pegam comentando: veja que negão forte, em referência a um homem musculoso negro; olha que negra bonita, como se a beleza não fosse possível às negras. Lembro-me de que quando a atual miss Universo foi eleita elogiei a beleza dela no meu programa na Metrópole, uma ouvinte retrucou: sim, mas ela tem os traços de uma branca.
Não concebo que estas posições sejam conscientes, mas está sim no inconsciente da formação social do nosso povo, é o arquétipo: negro é socialmente inferior. Nada a ver com mimimis, e sim com respeito à identidade do outro.
* Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz
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