Nesses dias de tantos descasos que percebemos pela vida do outro, quando em reunião da cúpula que deveria dirigir o nosso país, sequer demonstra um mínimo de compaixão para com as milhares mortes que estão acontecendo, ao lado de tantas outras milhares de vidas contaminadas pela covid-19, tivemos a triste notícia da morte de um companheiro de luta, aguerrido no combate à intolerância religiosa. Morreu o Pastor Djalma Torres, e nós os seus amigos não podemos estar presentes para um último adeus. Ele morreu tentando vencer um câncer. Em último contato que tivemos, ele chegou a me dizer que estava morrendo era de saudade. A sua esposa falecera faz uns três anos e a partir daí vimos o olhar de Djalma perder um pouco do seu brilho.
Em o seu livro "Caminhos de Pedra", ele relata de forma bem própria e compreensiva as fases da sua vida, incluindo o seu trabalho pastoral com mais de 40 anos de serviço e destemor à vivência de seu ideal de aproximar as religiões. Afirmava preocupado: “Eu tenho medo de que a exploração religiosa se degrade tanto que o ser humano tenha vergonha de cultivar a sua fé”.
Somo amigos pessoaishá cerca de 30 anos, quando começamos a falar, até mesmo a gritar contra as agressões que víamos as religiões, em especial as de matriz africana, passarem, sem que, em geral, o Estado brasileiro fizesse alguma coisa. Nos dias de hoje está pior. Pastor Djalma nunca foi omisso, condutor da Igreja Batista de Nazaré, por muito tempo, como se esperava,foi desrespeitado, enxovalhado por muitos dos seus pares evangélicos. Tentavam descontruir a sua imagem, afirmando que ele havia se convertido ao Candomblé, mas ele não se abatia, e dizia que havia se convertido ao verdadeiro amor, que não carregava carimbos. Nessefogo do ideal ia sendo forjada cada vez mais e fortemente a sua voz contra os que, em nome de Cristo, agiam como o Senhor não queria, nem quer.
Criamos com um grupo de dedicados ao combate à intolerância religiosa, o Comitê inter-religioso da Bahia, onde promovemos o diálogo com todas as religiões. Sempre presente em nossas reuniões, na Cidade da Luz, e nos eventos em que todo o grupo participava, lá estava ele, porém desde a morte de sua esposa o brilho no seu olhar realmente ficou menos intenso.
A verdade é que todo o luto é essencialmente um processo solitário, assim como é vivenciar qualquer dor. Eu , mãe Jaciara de Oxum, Padre Alfredo Dórea, Sheikh Abdul Ahmad, Della Fonte, Pai Rafael Moraes seus amigos e companheiros do CIRB, não podemos nem nos abraçar para dividir nossa dor e reforçar os nossos sonhos compartilhados com o pastor Djalma. A pandemia não deixou. O coral Ecumênico que o pastor criou não pôde também cantar. Esse luto da morte do pastor Djalma está sendoviolento, mas nós do Cirb nos reconhecemos uns nos outros e neste meio está o pastor Djalma Torres.
A saudade não passará, mas a sua representação se transforma, e em nós será uma transformação para reforço de ideal, parahonrarmos a vida de Djalma, pois o vazio da sua presença será substituído por lembranças de exemplo que oscilaram entre o sentimento de falta e o carinho pela pessoa que sempre ele foi, pois alguém disse “perder um amigo é perder um pedação da história que não aconteceu”.
Assinam comigo: Yalorixá Jaciara Ribeiro, do Abassa de Ogum, Arcebispo Anglicano Alfredo Dórea, sheik Ahmad Abdul (Islamismo), Della Fonte, católico e pai Rafael Moraes, da Umbanda.