Estava em uma mesa com alguns amigos e claro, não poderia ser diferente, veio à baila o assassinato de mãe Bernadete Pacífico e o foco foi a sua liderança quilombola. Uma das pessoas presentes, não guardo relação de proximidade saiu com a seguinte consideração, quando falamos da famigerada escravidão no Brasil: “que culpa eu tenho se...se lá atrás...meu bisavô, meu trisavô foi escravagista, eu não sou racista”.
Ao que respondi: Certamente o que você aufere hoje de algum maior conforto social, deve ter vindo desta cadeia sucessória de herança, em cima do vilipêndio de pessoas escravizadas. Ela se calou. É sabido que a última nação do ocidente a abolir a escravatura foi o Brasil, entre o fim do século XIX e início do XX. O pior que o fez sem qualquer programa de ajuda, não criou condição alguma para a inserção digna da população negra na sociedade, como foi feito no processo de recepção imigratória europeia no começo do século XX. Ao contrário, diversas obras, políticas e instituições disseminaram a ideia de um país mestiço, no qual o convívio é harmonioso entre as diferentes raças, ou seja, tentaram e até certo ponto conseguiram, dissimular a inserção dos escravizados, dos negros, por óbvio, a sua cidadania plena.
Dessa maneira, o racismo estrutural foi sendo construído como processo histórico, que, segundo o professor Pires e Silva, hoje funciona como: "uma espécie de sistema de convergência de interesses, fazendo com que o racismo, de um lado, implique a subalternização e destituição material e simbólica dos bens sociais que geram respeito e estima social aos negros – ciclo de desvantagens – e, de outro, coloque os brancos imersos em um sistema de privilégios assumido como natural, como norma.”
E o que tem tudo isso com o assassinato de mãe Bernadete? Tudo, pois ela representa luta dos descendentes escravizados que até hoje querem regularizar um pedaço de terra, em lídimo processo de reparação ao nada que foi dado aos seus ancestrais “libertados”, que saíram de suas senzalas para o mundo, para a rua, apenas com a roupa do corpo.
Mãe Bernadete clamava por justiça pela morte do seu filho, falou à presidente do Supremo Tribunal Federal, pessoalmente, em seu espaço quilombola... e nada foi feito. Os assassinos estavam tomados de ódio, muito ódio...sem dúvida porque a yalorixá era um bastião da centenária reivindicação por um espaço, em uma terra que os seus ancestrais foram trazidos em porões de navios, entre urina e fezes...todos temos, sim, a ver com o que foi feito e ainda é contra esse povo que ajudou a formar o que chamamos hoje de povo brasileiro. Muitos queiram ou não.
José Medrado Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz medrado@cidadadaluz.com.br