Há algo de profundamente inquietante quando, em uma igreja — espaço que deveria ecoar a voz do Evangelho — fiéis se levantam para aplaudir uma ação em dissonância com o que Cristo pregou. O cristianismo, em sua origem, é uma religião da empatia radical. Jesus não celebrou vitórias militares, nem legitimou violências “em nome de Deus”. O Seu caminho foi o da cruz — o da entrega e do perdão. Quando uma comunidade cristã transforma aplausos à morte em expressão de fé, algo se rompeu entre o discurso religioso e a prática do Evangelho.
Vivemos uma era em que a religião se tornou um espetáculo. A estética da devoção — o culto bem filmado, a oração performática, a hashtag bíblica — vale mais do que a coerência moral. O altar virou palco e, nas redes, a fé precisa render curtidas, likes. O que antes era oração, caridade hoje é post. E, nesse cenário, não é difícil entender por que muitos confundem fervor com fanatismo, e convicção com ódio travestido de princípios.
Há no mundo uma inversão ética: a compaixão é substituída por ressentimento e o que muitos chamam de justiça divina é reduzida a vingança humana. A fé, então, perde seu poder transformador e se torna um escudo ideológico, em muitos aspectos um investimento econômico. Como observa o teólogo e psicólogo James Fowler, a fé madura é aquela capaz de “olhar o outro sem medo de reconhecê-lo como igual”. Quando ela se fecha, torna-se caricatura — um reflexo narcisista, incapaz de se cultiva o outro, na empatia, à medida de nossas condições interiores. Muito do que vemos por aí não se trata apenas de hipocrisia religiosa. É também o espelho do que somos como sociedade. Buscamos certezas rápidas, heróis imediatos, e transferimos para Deus a validação das nossas emoções mais primitivas e à Sua justiça a nossa vingança. O problema não está apenas na teologia rasa, mas na cultura da superficialidade, onde aparência substitui consciência. A fé, descolada da ética, torna-se apenas estética — um “cristianismo instagramável”, bonito na imagem, vazio no conteúdo.
Ainda há, porém, quem viva o Evangelho com sinceridade, longe dos interesses inconfessáveis. São os que choram a dor alheia, que se calam diante da tragédia e preferem servir a discutir. Esses não aparecem nas redes — mas é neles que a fé sobrevive. A cena de aplausos a mortes, mesmo de marginais, portanto, não é apenas um princípio deteriorado, é um alerta de desmoronamento social. Ela nos obriga a perguntar: em que ponto deixamos de seguir o Cristo da caridade para adorar o Cristo do espetáculo? Talvez a resposta doa, mas é necessária. Porque fé que aplaude a morte já não é fé — é apenas ruído travestido de religiosidade.
José Medrado possui múltiplas faculdades mediúnicas, é conferencista espírita, tendo visitado diversos países da Europa e das Américas, cumprindo agenda periódica para divulgação da Doutrina, trabalhos de pintura mediúnica e workshops, escreve para o BNEWS, Farol da Bahia e o jornal A tarde.