Michel Foucault já alertava: é preciso banir todas as formas de fascismo–das colossais, que esmagam, às pequenas, que azedam o cotidiano. O fascismo não se apresenta apenas em discursos exaltados ou regimes totalitários; ele também se insinua de forma sorrateira, camuflado em falas democráticas e gestos supostamente bem-intencionados. Por isso, o combate ao autoritarismo exige vigilância constante.
Vemos, com frequência, líderes e grupos que se dizem defensores da liberdade, mas que elegem inimigos simbólicos, atacam instituições e tentam capturar o Estado em nome de interesses próprios ou feridas emocionais mal resolvidas. O discurso político vira palco para teatralizações passionais, onde o debate é substituído pela gritaria moral. É uma espécie de enrosco afetivo: criam mitos, salva dores, heróis nacionais, que não suportam o menor confronto com a razão crítica. Quando contrariados, não rebatem com argumentos, mas com ataques. Como disse Theodor Adorno, “a incapacidade de lidar com a ambiguidade” é marca do pensamento autoritário. Essa mentalidade cresce justamente onde a frustração vira raiva, e esta, doutrina.
Instala-se uma espécie de máquina de adestramento: a verdade deixa de ser o que se verifica e passa a ser o que conforta. Quando os fatos contradizem as crenças, são descartados. O despotismo se disfarça de liberdade de expressão para espalhar medo, distorção e desinformação. É um teatro de certezas, onde a dúvida vira crime, e a crítica, traição. Falam em ditadura, mas usam do mesmo expediente: atacar o contraditório, silenciar a crítica, idealizar o líder. A linguagem política vai sendo pervertida até que já não se possa diferenciar liberdade de submissão. Como advertiu Hannah Arendt, o totalitarismo destrói a capacidade de dizer “eu” –de pensar por si. O sujeito vira eco. A nação vira plateia.
É também nas pequenas atitudes do cotidiano que esse espírito de imposição se manifesta: na negação do diálogo, no julgamento apressado, na busca por culpados para angústias que são nossas. O autoritarismo, em sua versão mais íntima, transforma ressentimento em ideologia. Dizer “chega” é o primeiro passo. Mas não basta. É preciso cultivar o pensamento crítico, a escuta generosa e o respeito pelo diverso. O regime de força se alimenta do medo, da ignorância e do ressentimento. O ânimo não pode, não deve ser da vingança, do revide, mas da compreensão de que se tratam, essas manifestações contra o legal, o lógico, de ataque à cidadania nacional, de forma ampla e sentida. É inconcebível oferecermos, deixarmos a nossa casa ser invadida por ordens de outros. Combatê-los é um compromisso ético, coletivo e cotidiano inclusive dentro de nós.
José Medrado possui múltiplas faculdades mediúnicas, é conferencista espírita, tendo visitado diversos países da Europa e das Américas, cumprindo agenda periódica para divulgação da Doutrina, trabalhos de pintura mediúnica e workshops, escreve para o BNEWS e o jornal atarde.