O Brasil vive um momento em que versões disputam espaço com fatos, e muitas vezes vencem. A substituição da realidade por narrativas não é fenômeno recente, mas se intensifica quando a sociedade passa a privilegiar discursos que confirmam identidades e reforçam alinhamentos ideológicos, em vez de buscar evidências. Esse movimento produz um ambiente em que a verdade deixa de ser objeto de investigação e passa a ser objeto de construção estratégica. Fatos permanecem, versões mudam conforme as conveniências do tempo.
A filosofia já advertia que a verdade é resistente, mas não imune à manipulação. Para Hannah Arendt, por exemplo, os fatos são frágeis porque dependem de testemunhos e registros, e podem ser soterrados quando poderes organizados decidem instituir narrativas oficiais. Já Nietzsche lembrava que verdades podem ser reduzidas a “metáforas gastas”, e que sociedades frequentemente preferem as ficções úteis à realidade incômoda. O Brasil, ao se acostumar a operar por versões, corre o risco de transformar interpretações em dogmas e preferências políticas em “verdades históricas”.
O problema é que versões são sempre interessadas. Nascem do desejo de legitimar um grupo, um projeto ou um poder. Quando versões se tornam critérios de verdade, a história social de um país começa a se deformar. Processos complexos passam a ser contados a partir de vieses que excluem contradições e suavizam responsabilidades. Em vez de memória, temos marketing; em vez de análise, temos propaganda. É assim que farsantes se perpetuam, que fracassos se repetem e que erros deixam de ensinar...
Uma sociedade que se acostuma ao sabor das versões também perde a capacidade de diálogo, de discutir ideias. Afinal, se cada grupo acredita que a sua narrativa é a realidade, não sobra espaço para o debate. A arena pública se transforma num combate entre certezas fabricadas, em que o outro é visto não como interlocutor, mas como inimigo. A verdade, que deveria ser um horizonte comum, torna-se conto de carochinha (diria minha mãe).
Sem compromisso com fatos, não há políticas públicas bem formuladas, não há político confiável, não há jornalismo responsável. A cultura empobrece porque deixa de se compreender como processo histórico e passa a se enxergar como coleção de slogans. A identidade nacional se torna incoerente, construída mais por disputas simbólicas do que por compreensão crítica. O resgate da verdade factual não significa neutralidade impossível, mas compromisso com evidências verificáveis e com a honestidade intelectual. Significa reconhecer que versões podem iluminar aspectos subjetivos, mas nunca substituir o que realmente aconteceu.
José Medrado possui múltiplas faculdades mediúnicas, é conferencista espírita, tendo visitado diversos países da Europa e das Américas, cumprindo agenda periódica para divulgação da Doutrina, trabalhos de pintura mediúnica e workshops, escreve para o BNEWS, Farol da Bahia e o jornal A tarde.