O episódio ocorrido em Feira de Santana, no último sábado, expôs novamente as feridas abertas do racismo no Brasil — um crime que, apesar de inafiançável e imprescritível, ainda é tratado com uma leniência social preocupante. Segundo relatos da imprensa, um desentendimento entre uma inspetora da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e um capitão da Polícia Militar (PM) resultou em uma voz de prisão por suspeita de racismo. O caso ganhou repercussão imediata, não apenas pela condição funcional dos envolvidos, mas porque reflete como o racismo se manifesta até mesmo em pessoas que deveriam zelar pela aplicação da lei.
De acordo com as informações divulgadas, o conflito teria começado durante uma partida de futebol e evoluído para uma discussão, inclusive com briga física. O capitão da PM, sentindo-se ofendido por falas de teor discriminatório, deu voz de prisão à inspetora da PRF, sob acusação de racismo. O caso segue em apuração pela Corregedoria da PRF e pelo Comando da PM, mas o episódio já serve como símbolo de algo maior: o racismo institucional que ainda permeia nossas estruturas. A inspetora foi presa e passaria nesta segunda-feira por audiência de custódia, não consegui ver divulgação alguma do resultado.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLII, é clara ao estabelecer que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”. Isso significa que não há fiança que liberte o autor nem prazo que apague o delito com o tempo. Ainda assim, a aplicação dessa norma parece esbarrar na dificuldade cultural de reconhecer o racismo em suas diversas formas — sobretudo quando ele se apresenta de maneira sutil, simbólica ou disfarçada de “mal-entendido”. O Brasil se orgulha, há décadas, de ser uma nação “miscigenada”, mas essa narrativa muitas vezes serve para encobrir o racismo estrutural. Casos como o de Feira de Santana mostram que o crime não se limita à esfera civil — ele alcança também servidores públicos de corporações policiais, onde o cumprimento da lei deveria ser inquestionável. Quando a ofensa parte de quem representa o Estado, o impacto simbólico é ainda mais grave, pois a vítima não enfrenta apenas o agressor, mas toda uma cultura que historicamente silencia e minimiza o racismo.
Apesar de avanços legislativos — como a Lei 7.716/1989, que define os crimes resultantes de discriminação racial, e a Lei 14.532/2023, que equipara a injúria racial ao crime de racismo —, a sensação é de que ainda não se alcançou a devida punição social e jurídica. As penas existem, mas a efetividade delas depende de reconhecimento, investigação e condenação, etapas em que o sistema de justiça muitas vezes falha.
O racismo, no Brasil, ainda não é um crime que assusta o suficiente. Não provoca o temor moral e jurídico que deveria. Em muitos casos, o autor da ofensa se sente protegido por uma cultura de impunidade, enquanto a vítima é levada a passar por inúmeros dissabores e constrangedores protocolos. É por isso que episódios como o de Feira de Santana precisam ser amplamente discutidos — não pela curiosidade em torno das patentes envolvidas, mas pela urgência de reafirmar que racismo é crime, e crime grave.
Enquanto a sociedade não tratar a discriminação racial com o mesmo repúdio que dedica a outros delitos inafiançáveis, continuaremos a reproduzir a injustiça que a Constituição quis erradicar. O racismo precisa deixar de ser apenas um tema de debate e passar a ser, de fato, uma fronteira moral intransponível, um crime inafiançável verdadeiramente.
José Medrado possui múltiplas faculdades mediúnicas, é conferencista espírita, tendo visitado diversos países da Europa e das Américas, cumprindo agenda periódica para divulgação da Doutrina, trabalhos de pintura mediúnica e workshops, escreve para o BNEWS e o jornal A tarde.