Vivemos tempos em que a soberania nacional não é ameaçada apenas por pressões econômicas ou políticas, mas por algo ainda mais grave: a tentativa de potência estrangeira de se tornar corregedora de instituições democráticas de outros países. O caso recente da sanção direta do presidente dos EUA sobre um ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro é um sintoma claro disto – e, ainda mais grave, a naturalização desse processo por parte de muitos brasileiros. É legítimo criticar decisões do Supremo, inclusive do ministro em questão.
O debate público é parte do jogo democrático. No entanto, o que se viu foi algo distinto: a interferência concreta de um chefe de Estado estrangeiro – e a aceitação passiva, quando não entusiástica, de setores da sociedade brasileira. Isso revela uma incompreensão perigosa sobre os limites entre crítica legítima e submissão institucional. Não é a primeira vez que o presidente norte-americano interfere, ou tenta interferir, em processos judiciais de outros países. Casos semelhantes já ocorreram na Colômbia e na Itália, quase sempre quando há aliados ou interesses geopolíticos em jogo.
Aos poucos, ele se arroga o papel de corregedor universal, opinando seletivamente sobre decisões que lhe interessam ou desagradam. O mais preocupante é a conivência de cidadãos e líderes locais diante desse tipo de ingerência. Michel Foucault dizia que “o poder circula” e que ele se manifesta nas relações, não apenas nas instituições. Quando um poder externo tenta alterar o funcionamento da Justiça de outro país, rompe-se o pacto mínimo de respeito à soberania. Não se trata de defender este ou aquele ministro, mas de preservar o princípio de autodeterminação jurídica.
Um outro filósofo, Habermas, advertia que a legitimidade democrática se constrói no espaço público interno, onde as decisões devem ser debatidas e julgadas. Quando um líder estrangeiro opina sobre julgamentos internos, desloca-se essa legitimidade para fora das fronteiras – e isso é inadmissível. A democracia, para ser autêntica, precisa ter suas próprias formas de corrigir-se por dentro. Darcy Ribeiro já alertava para a facilidade com que ditos poderosos locais se submetem a imposições externas, muitas vezes travestidas de “sugestões”.
O problema não está na grave ação do presidente estrangeiro, mas na aceitação de brasileiros que, por questões ideológicas envolvendo conceitos sobre o ministro, veem com bons olhos a humilhação da instituição. A crítica interna é necessária. O servilismo externo, não. A Justiça brasileira tem seus mecanismos de correção, e cabe a nós, brasileiros, exigir melhorias, não importar julgadores. Soberania não é obstáculo à democracia – é sua garantia.
José Medrado possui múltiplas faculdades mediúnicas, é conferencista espírita, tendo visitado diversos países da Europa e das Américas, cumprindo agenda periódica para divulgação da Doutrina, trabalhos de pintura mediúnica e workshops, escreve para o BNEWS e o jornal atarde.