Defender uma ideia, hoje, tornou-se quase um ato de resistência. Em tempos marcados por polarizações ferrenhas e suscetibilidades à flor da pele, a simples expressão de um pensamento diferente pode deflagrar hostilidades, cancelamentos ou linchamentos morais. O que antes era dialética, hoje se reduz, em muitos casos, à disputa de poder simbólico: quem cala quem, quem ataca primeiro, quem viraliza a resposta mais ácida. A sociedade contemporânea parece ter perdido o hábito — e a disposição — para o verdadeiro debate. Em vez de argumentos, vemos adjetivos; em vez de escuta, interrupções; no lugar da dúvida, a certeza inabalável. A complexidade foi trocada pela simplificação; a busca pela verdade, pela fidelidade a narrativas afetivas ou ideológicas.
O filósofo francês Jacques Rancière já alertava que o dissenso é a essência da política autêntica. Quando o contraditório é abafado ou deslegitimado, o que se instala é uma ordem autoritária, mesmo que travestida de discurso democrático. Mas para além do nível filosófico, há um colapso mais silencioso, e talvez mais grave: o da urbanidade nas relações humanas. Urbanidade, essa palavra quase antiquada, remete ao respeito mútuo, à capacidade de lidar com o outro de forma civilizada, ainda que em desacordo. É o gesto de não interromper, de ponderar antes de julgar, de preservar a dignidade alheia mesmo no conflito.
A ausência de urbanidade tem gerado uma erosão do convívio social. As redes sociais, por exemplo, transformaram-se em campos de batalha, onde cada post vira uma trincheira e cada opinião, uma provocação. O anonimato ou a impessoalidade da tela amplificam o destempero e esvaziam qualquer laço de empatia. O resultado é um ambiente tóxico, que adoece a convivência e encoraja a desumanização do outro.
Retomar a urbanidade não significa ser conivente, nem abdicar das convicções. Ao contrário: é fortalecê-las com elegância, firmeza e abertura. É compreender que o valor de uma ideia está na sua força argumentativa, e não no volume da voz que a defende. E mais: é entender que quem pensa diferente de nós não é um inimigo a ser abatido, mas alguém que pode — e deve — ampliar o nosso horizonte. É urgente resgatar a humildade intelectual, essa virtude que permite reconhecer que não sabemos tudo, que podemos errar, que a verdade não mora apenas em nosso lado do muro. O mundo precisa menos de certezas absolutas e mais de pessoas dispostas a aprender umas com as outras.
Defender ideias, nesse cenário, exige coragem, sim — mas também generosidade, escuta e paciência. É preciso restaurar o valor do desacordo honesto, da crítica respeitosa e do argumento bem construído. Só assim o pensamento floresce. E só assim a democracia se fortalece.
José Medrado possui múltiplas faculdades mediúnicas, é conferencista espírita, tendo visitado diversos países da Europa e das Américas, cumprindo agenda periódica para divulgação da Doutrina, trabalhos de pintura mediúnica e workshops, escreve para o BNEWS e o jornal A tarde.